quarta-feira, 30 de maio de 2012

Defesa falha com as vítimas

MANOELA ALCÂNTARA - Correio Braziliense
Publicação: 01/05/2012 04:00


Apesar de a lei garantir assistência judiciária gratuita às mulheres agredidas por seus namorados, maridos ou ex-companheiros, muitas não têm acesso a esse direito. Faltam profissionais para defendê-las no enfrentamento com os réus nos tribunais


Os seis anos de agressões consecutivas deixaram marcas irreversíveis no corpo e nas lembranças de Joana*. Os piores momentos relembrados pela vítima de violência doméstica são os que o ex-companheiro a espancava e, logo após, a obrigava a manter relações sexuais com ele. “Certo dia, ele enfiou um objeto na minha boca com tanta força que perfurou a pele. Em alguns momentos, me estrangulava e depois jogava água gelada no meu rosto enquanto me obrigava a fazer outras coisas. Fui torturada até o ano passado, quando resolvi denunciar”, conta Joana. Mas o sofrimento não acabou no momento em que conseguiu se desvencilhar do agressor. Quando tentou reaver seus bens na Justiça, começou a enfrentar uma nova batalha: a falta de um advogado que a defendesse. “Cheguei à audiência e ele havia conseguido um advogado. Eu, não”, lamenta.
Embora a Lei Maria da Penha (n° 11.340) garanta a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, com preferência nas varas criminais, muitas não conseguem o acompanhamento para representá-las diante do juiz. Situação totalmente contrária à dos réus, que sempre contam com o cumprimento do que é previsto na Constituição Federal. A legislação não permite que uma pessoa acusada de cometer um crime vá a julgamento sem o acompanhamento de um advogado. “Temos um imóvel que compramos juntos. Queria vendê-lo para ter o dinheiro e conseguir me mudar. Temos outras questões também, como a guarda dos filhos. Toda vez que ele me encontra no tribunal faz chacota com a minha cara e diz que vai ganhar o processo porque tem um defensor e eu não”, relata a vítima. 
O caso de Joana está longe de ser uma exceção. Embora não haja estatística específica, a coordenadora do Núcleo de Defesa da Mulher na Defensoria Pública do DF, Heloísa Lombardi, confirma que as ocorrências de violência doméstica nas regiões administratrivas do DF não podem ser acompanhadas por falta de pessoal. “Temos 214 defensores para atender todo o DF. Nos três juizados do Plano Piloto, ainda conseguimos fazer um bom trabalho. Mas, em outros locais, nossa estrutura física não permite. Priorizamos o atendimento dessas mulheres, as orientamos, mas o acompanhamento na audiência não é possível por falta de pessoal”, lamentou a coordenadora. Para se ter uma ideia, a Promotoria de Justiça do DF tem mais de 400 profissionais para atender as demandas. O ideal seria que, para cada promotor, existissem dois defensores. 

Demanda grande
As mulheres brasilienses são as primeiras no ranking das denúncias. Porém, para especialistas, ainda é preciso avançar nos serviços de atendimento. “A demanda aumenta a cada dia. Isso não quer dizer que os casos cresceram, mas sim que as mulheres têm confiança de que a lei será cumprida, que os agressores serão punidos. Isso é bom. Mas é necessário também que o DF tenha capacidade de prestar um atendimento a essas vítimas”, ressalta a deputada Jandira Feghali (PcdoB/RJ), relatora da Lei n° 11.340.
A parlamentar acredita que é necessário aumentar o número de Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres (Deams); os Centros de Referência; os Juizados Especiais de Violência Doméstica; além de toda a linha de assistência. “Precisamos superar esta cultura de que a lei é feita e depois acreditamos que andará sozinha. Devemos manter vigilância e viabilizar que ela seja cumprida”, disse Jandira Feghali. A Lei Maria da Penha é reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das mais avançadas do mundo na defesa dos direitos das mulheres e deve ser copiada por 21 países.

Fique atento
O que a lei exige e ainda não é aplicado completamente:
» Retirar dos juizados especiais a competência para julgar crimes de violência doméstica. É necessário aumentar o número de juizados de violência contra a mulher com competência cível e criminal
» A autoridade policial deve dar tratamento diferenciado às vítimas de violência. A previsão é que um treinamento em massa seja realizado este ano em todo o setor policial
» Acompanhamento de um advogado ou defensor em atos processuais. Faltam contratações. Hoje, são 214 defensores para atender todos os casos do DF. Isso impossibilita o acompanhamento nas audiências
» Obrigatoriedade de o agressor participar de programas de recuperação e reeducação. Faltam casas de atendimento familiar com psicólogos disponíveis para atender todos os casos. A previsão é que este ano o DF ganhe mais três centros de referência, que possam atender a essas pessoa

Palavra de especialista 
É preciso avança
“As denúncias sobre o mal atendimento em delegacias, em hospitais ou em outros centros nos quais as mulheres deveriam se sentir seguras são constantes. Avançamos muito com a criação da Secretaria da Mulher, mas ainda precisamos tirar do papel diversas medidas para cumprir o que prevê a Lei Maria da Penha. O treinamento para o atendimento em delegacias também é essencial. As mulheres precisam receber informações de como proceder, como conseguir medidas protetivas, que devem ser aplicadas em até 48 horas. Nosso pedido é que a defensoria tenha mais profissionais e que nenhuma mulher deixe de ser acompanhada em qualquer audiência. Precisamos de um sistema judiciário que caminhe com o número de denúncias. E também de estatísticas precisas.”

Leila Rebouças, Assistente técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea)

Fonte: www.feminismo.org.br

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