terça-feira, 4 de outubro de 2011

Violência Contra Mulher

O QUE É VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E SUAS FORMAS DE MANIFESTAÇÃO
A abordagem do tema de políticas públicas e gênero leva-nos a debater o conceito de violência contra a mulher, passando pelo conceito de violência, entendendo o que é gênero e o diferenciando de sexo; conceituando a violência contra a mulher, bem como a violência doméstica contra a mulher; remontando a visão da sociedade no que diz respeito ao papel do homem e da mulher no convívio social, destacando que o mesmo é fruto da cultura vigente em cada momento histórico.
 A Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher define em seu art. 1º que:
[...] entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.
 Violência implica em restrição de liberdade de uma pessoa por meio de ofensas que a “denigrem” tanto física, psicológica e intelectualmente. Tal ato tem como objetivo a dominação do outro por achá-lo inferior (TELES, MELO, 2003).
Violência, em seu significado mais freqüente, quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano (TELES, MELO, 2003, p. 15).
A violência que decorre das relações de homens e mulheres, praticada por homens com o intuito de dominação e submissão das mulheres, é denominada violência de gênero. Tem raízes no Patriarcado e, segundo a nova roupagem dada pelos movimentos sociais femininos, define-se como qualquer situação que coloque a mulher em situação de inferioridade em relação ao homem, fazendo delas subordinadas a eles, gerando desta forma a dominação masculina.
Tal situação foi consolidada ao longo da história, sendo fruto do processo de socialização das pessoas, e se baseia apenas no sexo, gerando para as mulheres uma condição inferior apenas por sua condição biológica. Assim, a condição biológica (sexo) também determinará a condição social (gênero).
Desta forma tem-se que sexo são as qualidades físicas do corpo que diferenciam o homem da mulher, que nos é ensinado através da biologia, em todas as culturas essa definição não muda. Já o gênero são características culturais que diferenciam o papel do homem e da mulher na sociedade. Esta é construída através da história e cada região possui sua maneira de pensar o papel feminino e masculino no meio social.
(...) gênero diferencia o sexo social – construído social e culturalmente – do sexo biológico, que se define pela anatomia do corpo humano. Isso significa dizer que os papéis e comportamentos atribuídos a homens e mulheres na sociedade são socialmente aprendidos e variam em cada sociedade, no tempo e no espaço. (LOCHE, SOUZA, IZUMINO, 1999, p. 129).
Apesar de avanços na vida da mulher (conquista de mercado de trabalho, inserção na educação, etc.), ainda convivemos com muitos problemas decorrentes da violência contra a mulher. Tal violência é vista em todas as esferas da sociedade, porém a violência doméstica é a que tem maior expressão. 

Dados veiculados no jornal A Tribuna do dia 5 de setembro do ano corrente vem confirmar esta informação. Nele pode-se observar que 72% dos acusados são os próprios companheiros/marido da vítima. 


Fonte: Jornal A Tribuna

Assim, violência contra a mulher que é todo e qualquer ato que venha a denegrir a saúde da mulher (seja ela física, psicológica ou intelectual), apenas por sua condição de mulher. Normalmente são praticados por homens, que se sentem ameaçados, pois, ainda não aceitam a autonomia da mulher, não aceitam que a mesma participe de eventos ou freqüente locais até então tidos como redutos masculinos.
E, a violência doméstica contra a mulher é aquela que ocorre dentro dos lares, onde as vítimas são pessoas do sexo feminino. Os sujeitos ativos dessa relação, ou seja, os agressores são seus próprios maridos/companheiros.

FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
Para identificação da violência contra a mulher é necessário o estudo de como essa violência pode ocorrer. Será abordado, sucintamente, cada tipo de violência, sabendo que poderão ocorrer de outras formas não explicitadas, uma vez que a lei não é taxativa neste aspecto.
O art 7º da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha especifica as formas de violência contra a mulher, não sendo, porém, taxativo. Admite-se como forma de violência contra a mulher, entre outras:
Violência física
Este tipo de violência é o mais conhecido dentre os outros existentes. Assim as mulheres, em sua maioria, só reconhecem esse tipo de violência, pois deixa vestígios, com possibilidades de deixar sequelas irreversíveis, desde lesões corporais até levar ao óbito.
Art. 7.º, I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; (BRASIL, 2010)
É o uso da força que ofende o corpo ou a saúde da mulher, ainda que não deixe vestígios aparentes (DIAS, 2008).
Violência psicológica
Este tipo de violência traz seqüelas silenciosas e muitas mulheres não a reconhecem, pois não detectam tal ato como uma atitude violenta por parte do marido/parceiro, podendo até achar tal conduta natural.
Art. 7.º, II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (BRASIL, 2010)
Incorporada pela Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, este tipo de violência não estava prevista no ordenamento brasileiro. Ocorre que, em muitos casos, tal violência pode acarretar seqüelas irreparáveis e deve ser observada tanto quanto as outras. O fato é que muitas vítimas não enxergam tal comportamento como violência o que implica em baixo índice de denúncia de tal ocorrência. Desta forma, a previsão jurídica deste tipo de violência tem por objetivo proteger a auto-estima e a saúde psicológica da mulher (DIAS, 2008).
A vítima muitas vezes nem se dá conta que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são violências e devem ser denunciados. (DIAS, 2008, p. 48)
O dano psicológico é reconhecido pelo juiz e não precisa de elaboração de laudo técnico ou realização de perícia (DIAS, 2008).
Violência sexual
Tem-se que este tipo de violência foi muito difícil de ser admitido como uma agressão à mulher, uma vez que foi sempre tido como dever resultante do casamento, e o seu não cumprimento poderia resultar em cobranças por parte do marido. Atualmente, este entendimento não é mais admitido.
Art. 7.º, III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; (BRASIL, 2010)
Admitir a violência sexual dentro das relações domésticas resultou num embate doutrinário, pois, “a tendência sempre foi identificar o exercício da sexualidade como um dos deveres do casamento, a legitimar a insistência do homem, como se estivesse ele a exercer um direito”.(DIAS, 2008)
Este é mais um dos comportamentos do homem resultante do regime patriarcal em que as mulheres tinham que ser submissas e eram vistas como objeto de satisfação sexual masculino, não tendo elas o direito de recusar a prática da relação.
Violência patrimonial
Muito comum tal tipo de violência quando o agressor encontra-se num estado de nervosismo tamanho que começa a quebrar os pertences da vítima, rasgar-lhes roupa ou até confiscar-lhe o dinheiro. Tudo que atente ao patrimônio da vítima encontra-se neste contexto.
Art. 7.º, IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; (BRASIL, 2010)
Assim, segundo DIAS (2008), violência patrimonial é a subtração de valores, direitos e recursos econômicos destinados a satisfazer as necessidades da mulher.
Violência moral
É um tipo de violência que se relaciona com os bons costumes que a sociedade impõe aos indivíduos. Assim, tudo que foge da concepção dos homens do que é certo, eles se vêem no direito de agredir moralmente a mulher.
Art. 7.º, V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2010)
Caluniar alguém é dizer que alguém cometeu um fato considerado crime, sem que isto tenha sido verdade. A difamação consiste em falar mal de alguém, dizendo que seu comportamento não é correto, fazendo críticas mentirosas a seu respeito. E, por fim, a injúria consiste em ofender a vítima no tocante a sua dignidade e o decoro. Dignidade de uma pessoa é o sentimento que ela tem sobre seus atributos morais e o decoro é o sentimento sobre si mesmo, com relação a seus atributos físicos e intelectuais (CORTÊS; MATOS, 2007).
Violência simbólica
Fruto de corrente doutrinária, esta é o uso sutil de comportamentos sociais (seja através da linguagem, pensamentos, atos, culturas...) que implicitamente sustentam a inferioridade da mulher, e por ser algo implícito em nossa sociedade, são encarados como natural. Como exemplo: o marido proibir a esposa de sair de casa, ou de estudar.
A violência contra mulher está baseada na forma como a sociedade encara os papeis masculinos, que em sua maioria está baseada no sexismo, na cultura do patriarcado. E isso advém da educação que é transmitida aos indivíduos quando meninos e meninas. Assim:
Enquanto os meninos são incentivados a valorizar a agressividade, a força física, a ação, a dominação e a satisfazer seus desejos, inclusive os sexuais, as meninas são valorizadas pela beleza, delicadeza, sedução, submissão, dependência, sentimentalismo, passividade e o cuidado com os outros. (Patrícia Galvão apud João Guizzo, 2009, p.246)
Nos primórdios da educação, no berço da família, já era estabelecida a diferença entre homens e mulheres. Aquele é preparado para o vigor físico, o provedor, enquanto às mulheres é imputada a condição de sexo frágil, dependente do viril homem, à mercê de sua sombra, e o desrespeito a essa condição fatalmente acarreta-lhe algum tipo de punição, visto estar se insurgindo contra princípios estabelecidos socialmente.
Desde criança percebe-se a divisão social do que é ser mulher e do que é ser homem. Vemos que não há parâmetros para tal divisão, é determinado pura e simplesmente pelo fato de ter nascido menina ou menino, ou seja, pelo sexo.
É necessário que saibamos identificar as formas de violência, estudar suas origens e combatê-las. E a arma mais eficaz é a mudança de mentalidade, a começar pela educação das crianças em seu núcleo, mostrando a igualdade de direitos, deveres, condições de vida, sentimentos, desaguando num sentimento de respeito mútuo a partir da convivência harmoniosa entre homens e mulheres, não importando a relação ou o meio onde estejam vivendo.
*Claudia Isadora Santos Nascimento é aluna do Curso de Pós Graduação em Políticas Públicas de Gênero e Raça – GPPGeR, pela UFES. A atividade faz parte da Avaliação Final do Módulo 02, Blogfólio.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do parágrafo 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>, acesso em 28 de abril de 2010.
Convenção do Belém do Pará, Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a mulher, adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994.

CORTÊS, Iáris Ramalho; MATOS, Myllena Calasans. Lei Maria da Penha: do papel para a vida. Comentários à Lei 11.340/2006 e sua inclusão no ciclo orçamentário. Brasília: CFEMEA, 2007.

DIAS, Maria Berenice. A lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça | GPP – GeR: módulo 2 / Orgs. Maria Luiza Heilborn, Leila Araújo, Andreia Barreto. – Rio de Janeiro: CEPESC; Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2010.

GUIZZO, João. Introdução à Sociologia. São Paulo: Editora Nacional, 2009.

LOCHE, Adriana A.; FERREIRA, Helder R. S.; SOUZA, Luís Antônio F. Souza; IZUMINO, Wânia Pasinato. Sociologia Jurídica: Estudos de Sociologia, Direito e Sociedade. Porto Alegre: Síntese, 1999.

TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO,  Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003.

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