sábado, 30 de julho de 2011

Identidades Pomeranas: Tecendo histórias através de diálogos

Melgaço – Berço da cultura Pomerana em Domingos Martins
Visita realizada em 30/07/2011

Entrevistada: Lídia Kunde Schultz, 56 anos. Melgaço, Domingos Martins.

Conselheira Tutelar dos Direitos da Criança e do Adolescente de Domingos Martins, e professora aposentada do município, após 30 anos em sala de aula, na EMEF “Augusto B. Pagung”, Lídia Kunde Schultz nos recebe com um sorriso e muita história pra contar. Ela, que é descendente de pomeranos pelo lado materno da família, e não falava a língua portuguesa até os sete anos de idade, nos abre as portas para essa cultura tão rica e encantadora, a partir de suas lembranças e vivências.

Lídia explica que muitos costumes são mantidos na região, colonizada pelos pomeranos que vieram atrás de promessas de uma vida melhor, com terras, trabalho e abundância – propaganda feita pela coroa portuguesa para colonizar o interior do Brasil; mas que grandes mudanças já ocorreram, em relação à miscigenação. Relata que algumas famílias da cidade são mais tradicionalistas, e buscam a preservação mais rigorosa dos costumes do que outras, que como a sua, é mais receptiva ao contato e à conversa.

A principal fonte de renda do município vem do plantio do café e da banana, e muitas famílias vivem exclusivamente da lavoura. A colheita do café também atrai pessoas de outras regiões do Brasil, como baianos, que algumas vezes acabam ficando na localidade, como moradores.

Lídia nos conta que quando chegaram à Vitória, os pomeranos se dividiram em 02 grupos, que acabaram por colonizar regiões diferentes: um grupo seguiu rumo à Santa Leopoldina, pelo rio, fazendo o percurso de barco; outro grupo seguiu na direção de domingos Martins, a pé. A região de Melgaço, fundada pelos pomeranos que vieram a pé, é uma região de montanha, de clima ameno. Ali se instalaram, e mantiveram inalterados por algum tempo seus costumes, ensinando às novas gerações sua língua, costumes e tradições, que são até hoje celebrados. Existe a festa tradicional, Pommerfest, realizada na primeira semana de Setembro, anualmente, que celebra a cultura e tradição pomerana no município.

A religião dominante é a Luterana, e a principal atividade de renda é a Lavoura. Lídia conta que, como Conselheira Tutelar, uma das maiores dificuldades atuais é relacionada à permanência das crianças na escola, já que a localidade só possui ensino fundamental, e o Ensino Médio é ofertado na sede do município, Domingos Martins, distante cerca de 35 km. Diz que muitas famílias não valorizam a escolarização, mas o trabalho, e acreditam que precisam incentivar os filhos a cuidar da propriedade da família e/ou auxiliar na renda. Segundo a moradora, existe um projeto de resgate do ensino da língua pomerana no município – PROEPO, e já foram feitas capacitações visando o ensino da língua pomerana nas escolas da região.

Outro aspecto interessante da tradição pomerana relatado por Lídia é a patriarcalidade da família, onde o pai teria o poder de decisão sobre esposa e filhos, aspecto hoje mantido de maneira menos rigorosa, mas ainda visto. Diz que as mulheres pomeranas são muito batalhadoras, trabalhando muito nas lavouras e em casa. Os homens têm o hábito de beber a cachaça (“pinga”, ou “schnaps”), geralmente no final do dia, entre amigos. Esse aspecto é marcante, e existem fábricas de cachaça na região, que produzem a bebida de maneira artesanal.

Entrevistada: Irene Braun Nickel, 66 anos, Melgaço, Domingos Martins.

Fomos recebidos com muita gentileza por Dona Irene Braun Nickel, esposa do Sr. Matias Nickel, criadores de Serpentes reconhecidos em todo o estado. Irene pertence à 4ª geração da família que veio da Pomerânia, atrás das promessas de conforto e vida melhor no Brasil. Sua família contava que os Pomeranos passavam por muitas dificuldades na Alemanha da época, e vieram ao Brasil com a intenção de uma vida melhor, oportunidade de trabalho e terras. Segundo ela, as dificuldades aqui encontradas foram muitas, e a chegada dos pomeranos não foi ao paraíso prometido, mas a um lugar cheio de dificuldades, começando pelo acesso. O grupo dos pomeranos se dividiu, ao chegarem a Vitória, e fundaram vilas distintas, em Domingos Martins e Santa Leopoldina. Tiveram muito trabalho para se estabelecer, e sofreram muito inicialmente.

Irene conta que só falava a língua pomerana até seus 16 anos, e que isso trazia muitas dificuldades, pois eram discriminados na escola, por não saberem falar o português. Diz que essa experiência foi marcante, pela humilhação sofrida, e que a deixou tímida. A escola foi uma experiência difícil, pois tinham que decorar em português, mesmo sem entender, fórmulas matemáticas e conjugações verbais.

Sua família é uma das mais tradicionais da cidade, e Irene conta que seus pais eram muito rígidos em relação à manutenção dos costumes e tradições. As moças não podiam namorar antes dos 16 ou 18 anos, e tinham que se casar cedo, com mais ou menos 20 anos; só podiam sair acompanhadas pelo pai, e não podiam se relacionar com pessoas de outra religião.

Sua família, composta por Pai, Mãe e 06 filhos, dentre eles 05 mulheres e 01 homem, foi educada na tradição pomerana. Ela relembra o nascimento do irmão, 4º filho do casal, quando a parteira anunciou ao pai, em pomerano: “o terreno está entregue”, ou seja, chegou um herdeiro. Na tradição, os bens da família passavam para os filhos homens, e não para as mulheres. Estas, segundo Irene, tinham o direito de receber da família, quando se casavam, a festa tradicional, um caldeirão para cozinhar carne de porco, uma vaca leiteira, uma máquina de costura e um baú com algumas roupas.

O casamento pomerano é uma tradição ainda mantida na comunidade, e possui um ritual diferente e animado: Três semanas antes do casamento, o convidador, homem montado a cavalo, com fitas/lenços presos à roupa e chapéu, ia às casas dos vizinhos, para fazer o convite. Ele entra nas casas sem pedir licença, oferece uma dose de cachaça, que é compartilhada pela família que o recebe, faz o convite e recebe o pagamento da família. Irene conta que muitos conhecem o convidador como “Palhaço”. Essa seria a herança de uma maneira discriminatória de tratar a cultura pomerana.

Na quinta feira antes do casamento, é realizado o ritual do “quebra-louças”; neste dia, toda a comunidade participa do evento, levando frangas (não podem ser machos, pois segundo aprendeu Irene, galos brigam, e isso prejudicaria a harmonia do casal), e contribuem com os preparativos. À noite, é realizado o ritual: a “feiticeira/bruxa” aconselha os noivos, dá orientações. Os convidados se dispõem em círculo, e a “feiticeira” joga as louças no chão, explicando que a quantidade de pedaços/cacos que se formarem será a quantidade de felicidade do casal, que tem que recolher os cacos rápido, e enterrá-los obedecendo a alguns critérios. A cerimônia prossegue com outros ritos, todos cheios de significados tradicionais.

O casamento acontece no sábado, pela manhã, e dura o dia inteiro, com danças tradicionais dos noivos, e todos os convidados participam. As convidadas mulheres dançam com o noivo, e os homens com a noiva, em uma volta pelo salão. Após a dança, eles têm direito a compartilhar uma dose de cachaça e um cigarro, se fumarem. Os convidados homens contribuem com dinheiro para dançar com a noiva. À noite, acontece a despedida de solteiro do casal, que às vezes vai até o outro dia.

Toda a comunidade participa dos casamentos, que são acontecimentos grandes e importantes. Irene nos mostra fotografias antigas de família, onde se retrata desde o casamento de seus pais, primos, parentes, até o seu. Todos têm a característica de contar com um grande número de pessoas, que participam da ocasião. As fotos são embaladas com carinho em um pano antigo, bordado pela mãe de Irene.

A casa da família ainda conserva o estilo tradicional, com as cores características, o azul e branco, que representa, para o pomerano, o céu/mar e areia da Pomerânia. Até hoje, a família de Irene conversa entre si em Pomerano. Diz que existem muitas dificuldades em relação à manutenção dessa cultura, uma vez que quando vieram ao Brasil, os livros foram queimados, e existe pouca produção literária em sua língua. Relata que o dialeto pomerano acaba sendo diferente em cada região, e isso dificulta um pouco a transmissão desse saber.

Nossos sinceros agradecimentos:
À família Kunde Schultz;
À família Braun Nickel;
À família Kumm.
*Fabíola Trarbach Dias
 Fernanda Rasseli de Merlo
 Scheila Mara Marques
* Alunas do Curso de Pós Graduação em Políticas Públicas de Gênero e Raça – GPPGeR, pela UFES. A atividade faz parte da Avaliação Final do Módulo 01, Blogfolio. Foi realizada Visita à localidade de Melgaço Domingos Martins, em 30/07/2011, para conhecer a cultura e coletar dados para o trabalho.

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