
Dilma Rousseff acompanhada de Lula, Marisa, Michel Temer e Marcela Temer na cerimônia de posse
Roberto Stuckert Filho/Divulgação
|
Marcelo Semer
De São Paulo (SP)
Dia primeiro de janeiro de 2011, o país assistiu a cena até então
inédita: uma mulher recebendo a faixa de presidente da República e
passando em revista as tropas militares.
Enquanto o Brasil parava para ouvir o discurso de Dilma, parte dos
twitteiros que acompanhavam plugados à cerimônia, se deliciava fazendo
comentários irônicos e maldosos sobre a primeira vice-dama, Marcela
Temer.
Loira, jovem e ex-miss, a esposa de Michel Temer virou imediatamente um trending topic.
Foi chamada de paquita, diminuída a seus atributos físicos e
acusada de dar o golpe do baú no marido poderoso e provecto. Tudo
baseado na consolidação de um enorme estereótipo: diante da diferença de
idade que supera quatro décadas e uma distância descomunal de poder,
influência e cultura, só poderia mesmo haver interesses.
Essa é uma pequena mostra do quanto Dilma deve sofrer para romper as
barreiras atávicas do preconceito de gênero, ainda impregnadas na
sociedade.
Se não fosse justamente pela superação dos estereótipos, aliás, Dilma jamais teria chegado aonde chegou.
Mulher. Divorciada. Guerrilheira. Ex-prisioneira. Quem diria que seria eleita para ser a chefe das Forças Armadas?
Superar estereótipos é o primeiro passo para romper preconceitos.
O exemplo de Lula mostrou, todavia, como sua tarefa não será fácil.
O país aprendeu a conviver com a sapiência de um iletrado retirante, mas
os preconceitos regionais e o ódio de classe não se esvaziaram tão
facilmente. A avalanche das "mensagens assassinas", twitteiros
implorando por um "atirador de elite" na posse, só comprova o resultado
alcançado pelo terrorismo eleitoral.
Dilma sabe dos obstáculos a vencer e é por este motivo que iniciou seu
discurso enfatizando o caráter histórico do momento que o país vivia,
fazendo-se de exemplo para "que todas as mulheres brasileiras sintam o
orgulho e a alegria de ser mulher".
Em dois discursos recheados de assertivas e recados, não faltou uma
lembrança emocionada a seus companheiros de luta contra a ditadura, que
tombaram pelo caminho.
Mais tarde, receberia pessoalmente suas ex-colegas de prisão. Não
esqueceu das "adversidades mais extremas infligidas a quem teve a
ousadia de enfrentar o arbítrio". Não se arrependeu da luta,
justificando-se nas palavras de Guimarães Rosa: a vida sempre nos cobra
coragem.
Mas, mulher, adverte Dilma, não é só coragem, é também carinho.
É essa mulher, misto de coragem e carinho, que seu exemplo espera libertar do jugo de uma perene discriminação.
Discriminação que torna desiguais as oportunidades do mercado de
trabalho, que funda a ideia de submissão, e que avoluma diariamente
vítimas de violência doméstica, encontradas nos registros de agressões
corriqueiras e no longo histórico de crimes ditos passionais, movidos na
verdade por demonstrações explícitas de poder, orgulho e vaidade
masculinas.
Temos um longo caminho pela frente na construção da igualdade de gênero.
Nossos tribunais de justiça são predominantemente masculinos, porque os
cargos de juiz foram explícita ou implicitamente interditados às
mulheres durante décadas. Houve quem justificasse o fato com as
intempéries da menstruação e quem estipulasse que professora era o
limite máximo para a vida profissional da mulher.
Nas guerras ou ditaduras, as mulheres além dos suplícios dos derrotados,
ainda sofrem com freqüência violências sexuais, que simbolicamente
representam a submissão que a vitória militar quer afirmar.
Mulheres são maioria nas visitas semanais de presos. Mas quando elas
próprias são encarceradas, as filas nas penitenciárias se esvaziam. Com
muito sofrimento e demora, sua luta é para garantir os direitos já
conferidos a presos homens.
Sem esquecer as incontáveis mulheres de triplas jornadas, discriminadas
pela condição quase servil de dona de casa, que se obrigam a cumular com
suas tarefas profissionais e maternas.
Que a posse de Dilma ilumine esse horizonte ainda lúgubre de
preconceito, no qual os estereótipos da mulher burra, submissa e
instável, predominam na sociedade.
E que, enfim, possamos aprender, com as mulheres, a respeitar sua igualdade e suas diferenças.
Pois, como ensina Boaventura de Sousa Santos, elas, mais do que ninguém
podem dizer: "Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos
inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos
descaracteriza".
Façamos, assim, de 2011, um ano mulher.
Fonte: http://terramagazine.terra. com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário