Hoje, 22 de março, diversos movimentos estiveram reunidos com a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres para discutir as políticas para as mulheres. Representantes da Articulação de Mulheres Brasileiras aproveitaram a ocasião para entregar uma carta em que indicam algumas prioridades para a pasta. Para o movimento, é preciso conter o avanço de forças conservadoras e evitar recuos nas conquistas alcançadas até agora.
Veja abaixo a íntegra da carta.

POSICIONAMENTO DA AMB SOBRE AS PRIORIDADES NAS POLÍTICAS PARA MULHERES NA ATUAL CONJUNTURA
A AMB é uma articulação política não partidária, que potencializa a luta feminista das mulheres brasileiras nos planos nacional e internacional. Temos nossa ação orientada para a transformação social e a construção de uma sociedade democrática, tendo como referência a Plataforma Política Feminista (construída pelo movimento de mulheres do Brasil, em 2002) e a identidade de um feminismo anti-patriarcal, anti-capitalista e anti-racista, identidade pela qual nos definimos desde 2006.
Deste ponto de vista é que identificamos as principais forças políticas e as questões em disputa na arena política brasileira:
- os fundamentalistas religiosos colocando em questão a autonomia das mulheres e o caráter do Estado laico;
- o grande capital produtivo disputando o padrão de desenvolvimento e os fundos públicos;
- o capital financeiro incidindo sobre o controle do Estado e das políticas públicas;
- a grande mídia firmando a perspectiva neoliberal do Estado, atuando contra os Dhescas, criminalizando as lutas sociais e blindando o atual sistema político contra reformas democratizantes,
- lideranças dos partidos da base aliada, impondo derrotas ao governo como forma de pressão para garantia de interesses fisiológicos ou interesses das forças empresariais e forças das oligarquias, das quais estas lideranças são constitutivas.
- Setores Militares “incomodados” com a Comissão da Verdade atacando o governo com notas.
Na contracorrente deste setores colocam-se os movimentos democráticos e populares, campo político da AMB, no qual atuamos em defesa de:
- uma ampla reforma política do sistema eleitoral, com fortalecimento da democracia direta e da democracia participativa, democratização da mídia e do judiciário;
- defesa do direito de acesso à terra no campo e na cidade, reforma agrária e regulamentação das terras quilombolas, das populações tradicionais e dos povos indígenas; apoio a produção de alimentos saudáveis em regime de economia familiar cooperada; fortalecimento da economia solidária;
- fortalecimento do SUS, fim da política de gestão por fundações privadas; garantia do orçamento da Seguridade Social, previdência social pública e universal; igualdade de direitos das trabalhadoras domésticas, creches públicas e escolas em tempo integral, política de moradia universal e de qualidade;
- fim da DRU, fim da política de superávit primário que sucateiam os recursos das políticas sociais; revisão do sistema de isenção fiscal para as empresas e instituição de uma política de controle de capitais;
- politicas públicas sob controle e monitoramento da população.
Na atual conjuntura, reconhecemos o avanço das forças fundamentalistas na orientação das políticas públicas desde o Governo Lula, a exemplo da aprovação do Acordo Brasil-Vaticano e do recuo imposto ao Governo no texto do PNDH3, no contexto das eleições gerais de 2010. Naquele período assistimos e nos mobilizamos contra o processo truculento de chantagem dos conservadores cristãos sobre a então candidata Dilma Russef do que resultou a 'Carta ao Povo de Deus', carta que selou o compromisso de bloqueio à legalização do aborto por todo o período do Governo da primeira mulher presidenta do Brasil.
A retomada das políticas familistas na área da saúde, ação que vinha sendo articulada por estes setores no Governo Lula, fortaleceu-se no Governo Dilma com o programa da Rede Cegonha e da edição desastrosa da MP 557 em detrimento da PNAISM. Normas técnicas e instrumentos já consolidados que contem uma perspectiva feminista de saúde das mulheres estão sob ameaça. Cresce entre partidos de orientação cristã a demanda por um ministério da família. O que põe em questão o ministério da mulher (SPM).
Identificamos também o fortalecimento da política desenvolvimentista que favorece o agronegócio e o grande capital, em detrimento de políticas para igualdade providas pelos ministérios 'sociais' como MDA, MDS e as secretarias especiais de Direitos Humanos, Mulheres, Igualdade Racial. A força destes setores é tão grande que seus interesses tem sido atendidos mesmo contra a política de participação popular, que mobiliza milhões de pessoas no país. Os setores do governo e movimentos comprometidos com a democracia política e justiça social não tem sido capazes de fazer valer a grande maioria das resoluções das conferencias.
Compreendemos que esta situação só mudará com ampla mobilização popular e com eleições em novas bases, vez que as alianças eleitorais amplas só tem servido para constituir uma base de governo fisiológica e descomprometida com a população e movimentos sociais.
Neste contexto, ministérios como MDA, MDS e as secretarias especiais tem sido trincheiras de nossas lutas para efetivação de direitos pelas políticas públicas, em que pese termos perdido agora o Ministério da Pesca para as forças evangélicas e termos perdido a proposta de tratamento unitário do PNDH3 por conta da perspectiva adotada pela SEDH que fracionará nossas lutas.
As trincheiras da SPM e da SEPPIR, hoje ocupadas por companheiras feministas vinculadas a organização das mulheres no Brasil, é um dado da conjuntura que nos alenta. Desde nosso lugar de movimento social, nos colocamos na disposição de ação independente, critica, solidária e articulada com vistas a objetivos comuns: resistir a retrocessos e alcançar avanços na efetivação de direitos das mulheres, mesmo neste mar de adversidades.
- No âmbito dos embates atuais em torno da MP557: consideramos que o recuo do governo foi insuficiente, lamentamos a não retirada da MP do Congresso Nacional, lamentamos os posicionamentos favoráveis da SPM e do MS ao texto atual da MP. Esta iniciativa é uma falácia, foi demanda dos setores conservadores articuladas nos bastidores à revelia da SPM e contra as demandas das mulheres participantes das conferencias de 2012. A III CNPM, realizada dias antes do lançamento da MP, aprovou a descriminalização e legalização do aborto, criticou a Rede Cegonha e defendeu a o PNAISM. Mesmo com a nomeação da ministra Eleonora Menicucci e a retirada de referências ao nascituro, a MP segue sendo uma ameaça aos direitos das mulheres, um desrespeito à SPM e a III CNPM, uma oportunidade de coibir a prática do aborto legal hoje no país, este que é objetivo ultimo dos fundamentalistas. Seguiremos em luta contra a MP, fazendo o enfrentamento ideológico como nos cabe enquanto movimento contra hegemônico.
- No âmbito das disputas em torno do desenvolvimento e das questões sócio-ambientais: consideramos que as negociações do governo com sua base aliada tem sido desastrosas para os direitos dos povos indígenas, das populações tradicionais, das comunidades quilombolas e todos os povos da florestas que estão perdendo direitos sobre seus territórios. Esta situação afeta diretamente a autonomia econômica das mulheres de varias comunidades e categorias de trabalhadoras: camponesas, pescadoras, extrativistas. A Cúpula dos Povos, a realizar-se no contexto da Rio+20, serão o espaço dos movimentos de mulheres para contestar as propostas de economia verde e denunciar os crimes do desenvolvimento e seus grandes projetos sobre as populações dos territórios onde se instalam.
- No âmbito das políticas para mulheres, ameaçadas por práticas proselitistas de muitos governos estaduais e municipais, denunciamos que as políticas estão sendo substituídas por eventos, na forma de seminários, cursos e capacitação das mulheres, que afinal não efetivam direitos. Além do mais, os problemas de cortes orçamentários no plano federal tem implicações graves na perda de força de programas importantes como o programa de enfrentamento à violência contra as mulheres. A relação entre conselhos está subutilizada para fazer avançar a intersetorialidade das políticas, e os fóruns de organismos não enfrentam adequadamente os bloqueios do frágil pacto federativo para implementação das políticas, o que seria a nosso ver sua principal função.
Considerando esta análise da conjuntura, sugerimos como ações estratégicas:
- Regulamentar a elevação de status da SPM, com lei, que garanta mais autonomia para a Secretaria, atualizar o Plano Nacional de Políticas para Mulheres a luz da conjuntura e das resoluções da III CNPM, resoluções que devem ser divulgadas amplamente como base de legitimidade para as diretrizes assumidas pelo Plano na atual gestão da SPM;
- Instalar canais de diálogo direto e uma agenda de discussões com as organizações feministas, de âmbito nacional e regional, a exemplo deste fórum de dialogo e articulação com os movimentos feministas, primeira em muitos anos de SPM;
- Fortalecer o mandato dos conselhos na defesa dos direitos das mulheres, através de estratégia de interlocução e construção de ações articuladas nos planos federal, estadual e municipal, com vista a construção de uma visão comum da conjuntura, sua interpretação e definição de indicativos para forma de atuação em defesa de direitos ameaçados e denuncias de direitos violados. Fortalecimento da relação do CNDM com os ministérios;
- Fortalecer a perspectiva feminista no Fórum de organismos executivos, para avançar nas estratégias de superar os bloqueios do pacto federativo à implementação de políticas e enfrentar o debate sobre o sentido de políticas para mulheres. Este é também um instrumento relevante para colocar em diálogo direto movimentos feministas e gestoras, vez que muitas são refratárias à perspectiva feministas nas políticas para mulheres;
- Estabelecer condições efetivas para maior controle e a participação social das mulheres no monitoramento das políticas públicas, assegurando a prestação de contas periódica sobre os compromissos assumidos pelos diversos ministérios em relação ao Plano de Políticas para Mulheres, transparência, informação acessível, accountability inclusive sobre a questão dos recursos públicos;
- Priorizar entre as políticas ações de efetivação da PNAISM, serviços de aborto legal com qualidade e em maior numero, normas de atenção a saúde referentes aos agravos a violência contra as mulheres;
- Valorizar, no contetxo eleitoral, o debate do poder, com a proposta de reforma política, paridade, e a exigência do cumprimento das cotas, atuar problematizando o sistema eleitoral nos termos do que conclui a Comissão Tripartite da SPM em 2010. Abordagem da simples ocupação dos espaços de poder é insuficiente para colocar o problema da sub representação das mulheres em termos críticos;
- Articular ações federativas, envolvendo os três níveis de governo, para encontrar formas de conferir efetividade à política de ampliação de oferta de creches e mobilizar para PEC das Trabalhadoras Domésticas, em seguimento ao grupo de trabalho da SPM domésticas que atuou em 2010 e 2011;
- Fortalecer as ações do Programa de Enfrentamento a Violência, fragilizado por cortes orçamentários, problemas de execução orçamentária e limites de articulação entre o judiciário e o executivo;
- Garantir intervenção na cultura política patriarcal por parte da SPM, através de campanhas anuais lançadas nos 8 de março, campanhas que denunciem a permanência do machismo e da discriminação, campanhas ousadas, inovadoras, criativas e com caráter de contra hegemonia;
- Apoiar as lutas feministas e as organizações feministas que as sustentam de modo a conferir maior poder de vocalização das denuncias à sociedade e formulação de demandas por parte destas entidades.
Articulação de Mulheres Brasileiras
Brasília, 22 de março de 2012
Fonte: www.feminismo.org.br
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